30 anos depois do relatório "How corrupt is Brazil", um documento ainda contemporâneo
COISAS DA POLÍTICA
Edição N°14
Por Saulo Medeiros
Datado em 27 de maio de 1992, período de crise do governo de Fernando Collor de Melo, o relatório americano "How corrupt is Brazil" tentava compreender o quão corrupto era o Brasil. O cable americano já citava suspeita de conduta ilícita na Odebrecht (maior empreiteira da América do Sul), esquemas na Petrobras e até a relação de políticos com o narcotráfico.
“A classe política brasileira é corrupta”, é uma afirmação comum”, expõe o cable americano.
A prática não se restringiria aos gabinetes políticos. É com o famoso “jeitinho” que o relatório americano — escrito há 30 anos — dá conta do quão popular é a corrupção no país. “Práticas consideradas corruptas por muitos americanos são culturalmente enraizadas no Brasil”, compara.
Dividindo os esquemas de corrupção em tópicos, a destaque, por exemplo, para a fraude eleitoral. A compra de votos, seja por meio de dinheiro, cestas básicas ou serviços era considerada uma prática comum. Há também destaque para o nepotismo, que em 1992 não era considerada uma prática criminosa — só passou a ser em 2010, durante o governo Lula. A relação de políticos com o narcotráfico é outro tema abordado.
De todos os tópicos, um dos aspectos mais impactantes é a afirmação de que a “licitação em contratos com o governo é provavelmente a forma mais comum de corrupção” no país. É neste ponto que há referências ao fundador da empreiteira Odebrecht, que figurou na lista de condenados na operação Lava Jato.
“A premiação por uma conta de um projeto de tratamento de água e esgoto no Rio Branco, Acre, de Norberto Odebretch INC. está sob investigação pelo Congresso. Acredita-se que parte do financiamento veio ilegalmente de um fundo de compensação para desempregados (seguro-desemprego) administrado pelo Ministro Antônio Magri. O governador do Acre, Edmundo Pinto iria se pronunciar em público em 18 de maio em Brasília, mas foi morto em um quarto de hotel em São Paulo, em 17 de maio. Diretores da Odebrecht estavam também no hotel. Algumas semanas antes, evidências sobre o contrato da Odebretch foram consumidos por fogo na Assembleia Legislativa do Acre. Suspeita-se de incêndio criminoso”, descreve o documento há mais de três décadas atrás.
Fundador do Grupo Odebrecht, Norberto faleceu aos 93 anos, em julho de 2014. Quase um ano depois de sua morte, seu neto e sucessor, Marcelo Odebrecht foi preso pela Polícia Federal. A acusação que pesa contra o presidente da multinacional envolveria esquemas de corrupção e formação de cartel em meio aos escândalos de corrupção nos governos do PT.
30 ANOS DEPOIS, UM DOCUMENTO AINDA CONTEMPORÂNEO
Com uma possível referência ao período da Ditadura Militar, o documento afirma que “a corrupção provavelmente foi uma constante nas décadas passadas”.
Em outro momento volta a ponderar: “A frequência dos relatórios de corrupção durante a administração Collor pode ser atribuído, em parte, a uma liberdade sem restrições da imprensa, portanto, não significa que o governo seja mais corrupto do que seus antecessores”.
Há trechos que fazem a leitura parecer contemporânea: citando casos de corrupção no Congresso e no Judiciário, o cable tenta demonstrar que todo sistema político do país está contaminado e sofre constantes escândalos. Há também referências quanto a um suposto esquema de repasse automático de percentuais dos lucros de operações internacionais da Petrobras .
A citação de esquemas na petroleira traz à memória os recentes casos expostos na Lava Jato e a informação de que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi alertado pelo dono da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Benjamim Steinbruch, que acontecia um “escândalo” na estatal, conforme descrito nos “Diários da Presidência — volume 1” (Companhia das Letras).
Outro trecho que soa atual sugere que o sentimento de indignação — observado naquela época — vêm acompanhado do ressentimento de ver pessoas públicas enriquecendo enquanto o resto do país sofre com a recessão.
MÃE DINAH GRINGA
O extenso e sistemático texto chega a ser profético ao indicar que tantos escândalos tencionariam para uma apatia política do brasileiro. No documento há a afirmação de que, apesar do voto ser obrigatório no país, a tendência era de um grande nível de abstenções nas eleições futuras.
A previsão do relatório se mostrou certeira até mesmo se considerada a corrida pela presidência da república de 2014, quando, no primeiro turno, os votos não validado nulos, brancos e abstenções — chegaram a 38,7 milhões, superando a votação do segundo colocado, Aécio Neves, que somou 34,8 milhões de votos e em 2018 quando o País bateu seu recorde.
Somando os votos nulos e brancos com as abstenções, houve um contingente de 42,1 milhões de eleitores que não escolheram nenhum candidato, cerca de um terço do total. O candidato eleito Jair Bolsonaro recebeu 57,7 milhões de votos enquanto o candidato derrotado Fernando Haddad teve 47 milhões de votos.
FRASE
"A corrupção não é uma invenção brasileira, mas a impunidade é uma coisa muito nossa."
- Jô Soares
*Saulo Medeiros é jornalista e colaborador do Potiguar News.
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